sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Prosa Dirigida

Quero escrever desses sentimentos genuínos... Percebo minha angústia ao perceber a tua. Penso logo na dor irreal que poderia ser evitada e que reverbera entre nós. Reluto em aceitar como andam os ponteiros de teu relógio, parecendo se arrastar ao comparar com os meus. E noutros momentos, parecem tão ligeiros que me dão a volta.

Mas que aflição tão grande me ocorre no peito ao sentir que falo uma língua que não compreendes. As palavras, soltas no ar, oxidam e chegam ferruginosas aos teus ouvidos. E que louca sensação de aprisionamento quando não deveria mais deixar que fossem proferidas, mas a vontade de explicar é tão vasta que torna-se própria das palavras e elas ficam rebeldes e infantis. Saem desprendidas e esbarram em qualquer coisa na tentativa de correrem livres. As palavras sentem-se, diante de ti, como um condenado num país distante, uma vez que a razão do castigo vem em dialeto inatingível.

Não entendo como pode o amor dar lugar a estas guerrilhas, tolas e sem finalidade. Minhas idéias não alcançam a clareira ampla, aquela onde as histórias são contadas sem metáforas nem distorções. Pergunto-me se o que descobres em mim vem também em língua estranha. Fico a duvidar se foram muitos esses instantes em que sustentastes o direito de saber-me e pediu-me que falasse as frases prontas, com todas as vírgulas de mim. Talvez seja essa a questão. Como podes desejar que te compreenda sem sequer ouvir o que tens a me dizer? Serei eu tão prepotente que consegui convencer-te que te adivinho?

Perante tais névoas, dou-me o direito, quem sabe o dever, de solicitar-te o dicionário e não calar-me em resignação. Seria o contrário uma traição e profundo desrespeito à tua cognição.

Sobretudo, repenso, agora em águas mansas, e sinto o sol a queimar-me a pele. Esqueci-me que o desejo de te ver feliz não pode confundir-se com o meu medo de sofrer. Minha paz tão frágil, ameaçada, permitiu que fossem libertos os bichos sobre ti. Cobrei-te sereno de forma mais veloz que a minha própria. E acreditei fazer-te um bem, querendo impedir-te de tocar teu outro lado. Ingênua. Não poderia nunca frear o teu mergulho.

Ainda tento segurar as rédeas da carruagem da vida, pensando que meu pequeno corpo terá forças. Fui, assim, tornando-me egoísta, preocupada em poupar-me de ver em teus olhos a sombra que é minha. Esqueci de confiar nos alicerces que para mim ergui e deixei-me inundar pelo medo de rompê-los uma vez mais.

Remendando retalhos de momentos passados, olhares e palavras de outros dias, consegui ver pelo menos uma parte dessa tua colcha. Com certeza, apenas uma hipótese de teu real interno, porém um tanto mais próxima quanto se faz necessário hoje. E, só então, meu coração abriu as janelas e viu teu sol, teu esforço para manter a chama acesa e tua ânsia de deixar a névoa fora de nossa casa. Espero, sincera, que tenham sido estas as imagens que desejaste me mostrar, expressas nas palavras do dialeto difícil.

E, finalmente, respiro mais leve ao lembrar que tua angústia não há de vir acompanhada da minha. E que minha essência ainda pode resgatar-me, com o convite de levar-te na mesma nau, assim que quiseres e quando estiveres pronto.

Afinal, o amor que brado é mais forte e me ensina a admirar o que é teu e permanecer companheira, sem que isso signifique arriscar naufragar.



-Nina

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