Não sei sentir.
Não sei ser humano.
Não sei conviver, de dentro da alma triste, com os homens, meus irmãos, na Terra.
Não sei ser útil,
mesmo sentindo ser prático, cotidiano, nítido.
Vi todas as coisas e maravilhei-me de tudo,
mas tudo sobrou ou foi pouco, não sei qual,
e eu sofri.
Eu vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos
e fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente.
Mas para toda gente, isso foi normal ou instintivo.
Para mim, sempre foi a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Não sei se a vida é pouco ou demais pra mim.
Não sei se sinto demais ou de menos.
Seja como for, a vida, de tão interessante que é, a todos os momentos,
a vida chega a doer,
a enjoar,
a cortar,
a roçar,
a ranger
a dar vontade de dar pulos,
de ficar no chão,
de sair para fora de todas as casas, de todas as lógicas, de todas as sacadas
e ir ser selvagem,
entre árvores e esquecimentos.
- Fernando Pessoa
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